01/11/2017
DR. RESPONDE - Meu filho tem hipertensão pulmonar, é bem cianótico e passou por uma Fontan, que não foi finalizada. Hoje aos 23 anos tem se cansado muito e também tido ausência de memória. Esses sintomas podem sinalizar a ocorrência de AVC?
A operação de Fontan e o rigor dos elementos anátomo-funcionais da cardiopatia congênita de base, para a melhor evolução
Importa salientar, inicialmente, dois pontos: o que constitui a operação de Fontan e as condições anátomo-funcionais primordiais da cardiopatia congênita de base, para a devida efetividade da mesma.
A operação de Fontan constitui primordialmente na conexão das veias cavas, superior (diretamente) e a inferior (por tubo sem valva) nas artérias pulmonares, após a desconexão de ambas as veias do átrio direito. Por seu turno, a efetividade dessa operação depende da presença de determinados elementos pré-operatórios, que devem ser obedecidos de maneira rigorosa. Eles são representados principalmente pela pressão pulmonar normal, estando a média arterial abaixo de 15 mm Hg, a resistência arterial pulmonar menor que 2 UW e também com função ventricular normal (fração de ejeção superior a 60%), além de árvore arterial pulmonar normal em diâmetro e inteiramente distribuída pelos dois pulmões, e sem obstruções e, ainda, com ritmo cardíaco regular e normal. Outro elemento primordial se refere à função normal de ambas as valvas atrioventriculares, direita e esquerda.
Caso um destes elementos não esteja rigorosamente adequado, a operação de Fontan não resultará efetiva, surgindo daí toda gama de sintomas relacionados ao desequilíbrio de fluxos, pulmonar e sistêmico, como insuficiência cardíaca, hipóxia, derrames pleurais e pericárdico, hepatomegalia, enteropatia perdedora de proteínas, cansaço, tonturas, palpitações por arritmias e, ao lado de todos, a hipertensão pulmonar, estando a média arterial acima de 15 mm Hg.
Continuidade desses fatores adversos que desfavorecem a evolução pós-operatória ? Conduta
Em presença de algum desses fatores, clínicos e hemodinâmicos, após a procura de uma causa que esteja modificando a dinâmica ideal da operação de Fontan, essa operação deve sempre ser reformulada, a ponto de minimizar os riscos evolutivos. Quando a causa é corrigível como a insuficiência das valvas atrioventriculares, a estenose das artérias pulmonares, estenose subvalvar aórtica, a correção subsequente de um destes elementos se torna benéfica e capital para tornar a evolução mais favorável a longo prazo.
A hipertensão pulmonar, elemento desfavorável na evolução da operação de Fontan, e a conduta requerida
A presença concomitante da hipertensão arterial pulmonar, mesmo após as devidas intervenções realizadas no direcionamento de se conseguir uma anatomia e fisiologia perfeitas, torna-se daí grave em face de uma pressão venosa aumentada, superior a 15 mmHg e a respectiva resistência pulmonar acima de 3 a 4 Unidades-Wood. Essa situação hemodinâmica requer a modificação da técnica operatória, diminuindo um pouco mais o fluxo pulmonar. Na maioria das vezes tal objetivo é conseguido pela criação de uma comunicação interatrial pelo próprio cateterismo cardíaco, direcionando assim o fluxo do lado direito para o esquerdo e daí aumentando o fluxo sistêmico e diminuindo o fluxo pulmonar. Outro método mais radical seria manter o fluxo pulmonar exclusivamente nutrido pelo retorno da veia cava superior, responsável pelo fluxo das veias dos membros superiores, da cabeça e pescoço, constituindo-se na operação de Glenn. O componente inferior da operação de Fontan, que traz o sangue venoso da veia cava inferior (proveniente dos membros inferiores, abdome, tronco e do fígado), desconectado temporariamente pode ser eventualmente reconectado em período oportuno.
Evolução posterior desfavorável com possibilidade para o desenvolvimento de AVC
Os sintomas de cansaço e de cianose são esperados nestes pacientes em presença dos fatores adversos descritos e podem exteriorizar outros sintomas, incluindo-se os cerebrais descritos como falta de memória, cefaléia e outros. Dessa maneira, torna-se obrigatório, no acompanhamento clínico, que seja diagnosticado o acometimento cerebral de maneira melhor definida e responsável pelo verdadeiro AVC, decorrente de trombose e/ou embolias das artérias cerebrais ou até por rompimentos arteriais causando hemorragias cerebrais.
Considerações finais
Importa salientar, por fim, que a operação de Fontan é paliativa ou dita corretiva funcional, permitindo que o coração com malformação anatômica possa evoluir melhor através essa correção funcional no direcionamento direto da circulação venosa sistêmica à árvore arterial pulmonar. A melhor evolução a longo prazo depende essencialmente da preservação dos elementos anatômicos e funcionais, o mais rápido possível.