(2022) - Calendário 2022

A POESIA DAS MANTAS 

A tecelagem, que carrega em suas fibras uma história milenar, acompanha o ser humano desde o nascimento até a morte e traz em suas tramas uma história que dialoga com a cultura de um povo.

É fruto de ato criativo e expansivo em que mão, gesto e alma se integram. Carrega em seus fios entrecruzados as histórias e antigas mágicas femininas de saberes ancestrais. 

A Atividade Maria Maria foi presenteada com aproximadamente 60 mantas, tramadas em fios de algodão por mulheres de Espirito Santo de Pinhal, São Paulo, para cobrir, acolher e proteger. Simbolicamente, o tecer é um reflexo externo e materializado do que acontece internamente, da união entre arte e emoção. 

Nas tessituras da vida, no cenário de ameaças e temor adicionais trazidos pela pandemia, instaura-se para as mães da ACTC ? Casa do Coração, um novo tempo, marcado por espera, recolhimento e reorganização. Trama-se uma nova história em que a vida que se faz pelo coração, clama por mais cuidado. Urge tecer o fio da vida e criar novas formas de estar no mundo. Fios de proteção necessitam ser fortalecidos e renovados permanentemente. 

Nesse momento tão inédito de nossa existência, enviamos as mantas acompanhadas do livro ?Emocionário?, - um dicionário que trata das emoções-, um passeio colorido e cativante por nossos sentimentos. Nomear o que se sente é condição de existência.   Segundo Adélia Prado, ?A coisa mais fina do mundo é o sentimento?. Com o fio do bordado, amarrando e desatando nós, as nossas mães vão urdindo a possibilidade de sonhar com um mundo de aconchego e abrigo para si e para seus filhos.

Inúmeros mitos descrevem deusas tecendo com fios a vida e o destino dos seres humanos. As parcas na mitologia grega produziam, escolhiam, enrolavam e cortavam o fio da vida e da morte. Unidas por fios com as mulheres de Espirito Santo de Pinhal, as mães da ACTC ? Casa do Coração, neste novo contexto, tecem um tempo de reconstrução e de elaboração das perdas. Na harmonia das cores criam belezas, urdem esperança, arquitetando uma conexão intensa e   muito especial entre mãe e filho.

No processo artesanal que é a vida, as mulheres da ACTC alinhavando fio sobre fio, ornamentam a manta, o manto...  Esse mantra de proteção, simbolicamente, precisa continuar a ser tramado, pois seus filhos precisam intensamente desse manto que cobre, que cura, que acolhe, já que   o imprevisto pode se introduzir no cotidiano.

Ao inventar jardins, colorir árvores, aquarelar flores e poetizar o sol, busca-se a vida para se contrapor à perda que espreita... É preciso sonhar!

Desse encontro do feminino, as mantas são objetos que condensam ações, relações, emoções e sentidos, tendo o fio como dispositivo de mediação.  Histórias são tecidas em palavras, fios tramas e fantasias.
A vida precisa ser agasalhada e reconstruída na perspectiva de encontros que buscam novos sentidos, ao tecer mundos diversos. 

O fio, em suas múltiplas tramas, surge como metáfora infindável de resistência pela vida.